O imperativo de aprender (ao longo da vida)

“Os principais produtos da economia do século XXI não serão têxteis, veículos e armas, mas sim corpos, cérebros e mentes” profetiza Yuval Noah Harari, no seu best seller Homo Deus.

Enfrentamos agora a revolução trazida pela Indústria 4.0, uma era onde a digitalização e os sistemas complexos nos colocam desafios de ajustamento e uma necessidade de adaptação cada vez mais célere. Nesta conjuntura urge pensar a propósito de que competências devemos direcionar a nossa aprendizagem e ação, tal como que ajustamento cognitivo deveremos realizar, de modo a cumprir o nosso potencial de participação na sociedade, enquanto profissionais e cidadãos de uma democracia.

O World Economic Forum destaca 10 competências essenciais para o ano de 2020, em termos de adaptabilidade ao mercado de trabalho, no seu estudo “The Future of jobs”. Enumeram-se a resolução de problemas complexos, o pensamento crítico, a criatividade, a gestão de pessoas, o trabalho em equipa, a inteligência emocional, a capacidade de tomada de decisão, a orientação para o cliente, a negociação e a flexibilidade cognitiva.

Desde 2015 verificaram-se algumas alterações importantes no peso destas competências e mesmo a adoção de novas, como a flexibilidade cognitiva. Face às alterações que assistimos, esta competência assume um papel relevante na capacidade de adaptação a rápidas e imprevisíveis mudanças. A inteligência emocional e capacidade de trabalho em equipa são outras das competências core enfatizadas para o ano 2020, que permitem fazer face à heterogeneidade e complexidade do comportamento humano nas organizações.

Estas competências, chamadas Soft Skills ou competências transversais, são definidas, no estudo “As soft skills em Portugal: Presença, intensidade e relevância”  de Augusto Mateus & Associados, como o  “Conjunto de qualidades e atributos necessários para ter sucesso a nível profissional, (…) que abrangem uma pluralidade de capacidades, umas relativas à combinação da eficiência e da eficácia nos mundos do trabalho e dos ambientes profissionais e outras que dizem respeito à resiliência das atitudes e comportamentos”.

Compreendemos deste modo que as Soft Skills vão continuar a ser uma área de foco e necessidade constante de investimento no mundo futuro do trabalho, a que se adiciona a capacidade de persistir face aos desafios e problemas imprevisíveis do amanhã.

Esta necessidade de competências que se pautam como uma maior flexibilidade, criatividade e persistência tem repercussões em várias esferas da sociedade, sendo uma das áreas mais paradigmáticas a da educação.

A Comissão Europeia aponta as dez tendências que estão a transformar a educação e que não são nada mais que respostas dos sistemas educativos à complexidade e às exigências da nova era mundial. Falamos, entre outras, da necessidade de aprendizagem ao longo da vida, como contraponto de uma educação focada nos primeiros anos de vida dos indivíduos. Considerando que a maior parte das crianças que entram hoje no ensino básico irá possuir empregos que ainda não foram criados, a competência de “aprender a aprender” continuamente será central, imposta pelas rápidas e profundas alterações no mundo laboral e pela emergência de novas profissões.

As novas formas de literacia, especialmente a digital, vão ganhar a primazia face à conceção de uma literacia unicamente académica como a fonte de conhecimento. A digitalização dos locais de trabalho será uma das fortes razões para que tal aconteça.

Se outrora a educação servia a era industrial, pautando-se pela massificação e a uniformização do ensino, a era emergente impõe a necessidade de um ensino que dê resposta a novos e complexos desafios. Neste sentido, a aprendizagem que serve o cidadão do século XXI é baseada na experiência do indivíduo, é interativa e participada pelo próprio, enquanto construtor ativo do conhecimento. O modelo de ensino estandardizado e homogéneo não mais vai servir o novo aluno e o cidadão futuro a quem se pedirá iniciativa, adaptabilidade e capacidade de inovação.

Abandonar-se-á um ensino baseado nas disciplinas compartimentadas, focadas em conteúdos e assumir-se-á o foco nas competências, na multi e interdisciplinaridade, baseada em projetos e apoiada por contextos digitais. Esta interdisciplinaridade é um meio de dar resposta às questões e desafios locais e globais, como as alterações climáticas, as questões de segurança, que exigem soluções complexas e interligadas.

Vários exemplos de medidas nos chegam nos últimos tempos, ao nível político nacional, como eco expressivo de uma necessidade de mudança de mentalidade e paradigma de aprendizagem e adaptação a nível europeu e mundial.

A definição do Perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória é um exemplo institucional, de vigência nacional nas escolas do país e que reflete a visão de um futuro cidadão qualificado, a exercer uma cidadania ativa e democrática. Tem nos seus pressupostos os valores da responsabilidade, excelência, curiosidade, autonomia, reflexão, inovação, liberdade e participação.

Todas estas mudanças nos demonstram que nos encontramos neste momento a assistir a uma importante transformação social e cultural no filme histórico das nossas vidas. Mas poderemos permanecer como meros espectadores? Podemos mantermo-nos passivos e esperar pelos créditos finais?

Como profissionais de psicologia, cabe-nos entender criticamente as mudanças societais e laborais que se irão impor. Cabe-nos a ação de estar atualizados, no sentido de irmos ao encontro das necessidades e motivações dos clientes e das práticas psicológicas de apoio e intervenção, no sentido de uma maior adaptabilidade e excelência no serviço prestado. E cabe-nos, como atitude de fundo, compreender a necessidade de aprender ao longo da vida, cumprindo o nosso potencial humano.

Ana Isa Figueira

Psicóloga Educacional – Cédula profissional n.º 5676

Documentos referidos:

The Future of Jobs de World Economic Forum

Homo Deus de Yuval Noah Arari

10 Trends transforming education as we know it, Comissão Europeia

Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória, DGE

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